terça-feira, 30 de março de 2010

Criança vê, criança faz.



Trabalhar com pessoas que gritam é uma tensão. O gritar em sala de aula é quase como um vírus que se alastra em silêncio. Um vírus de incompreensão. Quando você menos imagina se vê aos berros também: "PAREM DE SUBIR", "PAREM DE DESCER", "PAREM DE ANDAR", e de repente o melhor de todos os gritos: "PAREM DE GRITAR".

Professor no Campo


Você entra em uma sala de vídeo com vinte crianças de dois anos e coloca um filme de músicas dançantes instrutivas, próprias para suas idades. Elas começam a dançar tão alegres e felizes que uma pessoa mais romantica como eu (rs) pode até ver brilhos em seus olhos. De repente alguém dá um sonoro berro "TODOS SENTADOS" E como se não bastasse o imenso susto, complementa "NÃO QUERO VER NINGUÉM EM PÉ".

Em primeiro lugar, eu me sinto profundamente tocada de compaixão pela voz que dá esse comando. Tratar crianças dessa forma, privando-as de sua enorme sede de alegria, espontaneidade e movimentação deve ser algo que parte de um coração enrijecido.

Em segundo, poder ver a dificuldade quase dolorida que as crianças têm para obedecerem à esse comando me faz crescer muito na condição de estudante de pedagogia.

Meu sonho agora é ministrar aulas em uma escola de proporções inversas daquela em que estou. Grandes espaços abertos. Jardins. Pátios e campos. E... Quem sabe além do refeitório, uma minúscula sala para um dia de chuva muito forte.

-- O famoso entomologista francês Fabre sempre se orgulhou de ter conseguido fazer suas pesquisas sobre os insetos - pesquisas que ficaram famosas - sem precisar matar nenhum. Ele estudava sua maneira de voar, seus hábitos, tristezas e alegrias. Seguia com atenção suas brincadeiras sob os raios do sol e seus combates mortais. Observava como agiam para arranjar comida, construir seus abrigos, fazer provisões. Contemplava as poderosas leis da natureza através de movimentos imperceptíveis e nunca se impacientava. Era professor no campo. Fazia suas observações a olho nu. --


Educador, seja um Fabre no mundo das crianças.

Compreensão na educação.

"O educador que sente náuseas vendo os pés imundos das crianças, que não suporta mau cheiro, que, se encontra um piolho em seu casaco fica transtornado o dia inteiro, deverá mudar de profissão. Que vá ser comerciante ou funcionário público, enfim, qualquer outro trabalho; mas que saia da escola primária, porque nada é tão humilhante que ser obrigado a ganhar seu pão com um trabalho do qual tem horror". Korczak

Quando ele fala sobre a sujeira me surpreendo mais. Sobre aquilo que deve "suportar", como muitos imaginam, o educador. Onde há amor não se diz suportar. Não há espaço para os dois sentimentos juntos, se um deles for verdadeiro. A criança cheia de piolhos é vítima de um infortúnio, seja este um descaso familiar ou uma distração, não vou eu me tornar mais um motivo de humilhação para esta criança. Já notei, por aí, como as pessoas acham que as crianças são surdas. Falam as maiores barbaridades em suas frentes, ou melhor, por cima delas, e talvez pensem que lá do alto, elas não possam escutar... "Essa menina é insuportável" , "Sua mãe é uma porca", "Veja quantos piolhos". Confusos educadores. Elas podem ouvir sim!
--
--
Quem pensa que uma criança é insuportável apenas não a entendeu ainda, não procurou compreendê-la para encontrar suas necessidades. Um bebê que chora muito não é um bebê insuportável, pode ser um bebê com cólicas, com dores, com fome, inseguro. É como quando aquele bebê chora demais porque quer ficar o tempo todo no colo. "Criança mimada", dizem. Essa é sua necessidade no momento. Se na creche não podem carregá-lo o tempo todo, ao menos um trabalho com muito carinho deverá ser feito para ele entender que também estará seguro no chão. Largá-lo à chorar simplesmente não funciona, quer dizer, um dia ele irá parar, mas se torna a criança apática de Steiner: "A relação íntima de amor que a criança sente com as pessoas mais próximas a ela faz com que ela queira encarnar, queira conquistar seu corpo passo a passo. Onde não existe essa relação ou onde ela é interrompida frequentemente (creches, hospitais, etc) a criança perde o interesse pelo mundo e fica apática".
Mais compreensão e interesse nesse mundo tão rico da educação faria uma pesada diferença.

Korczak


Meu primeiro post será uma homenagem ao homem que me inspira ainda mais que qualquer criança nesse mundo, Janusz Korczak. Sua sensibilidade não tem limites e sua sabedoria em relação ao mundo infantil é uma rota para qualquer educador que se aventure a amar realmente o que faz.


Assim ele escreve:


"Vocês dizem:

- Cansa-nos ter de privar com crianças.

Têm razão.

Vocês dizem ainda:

- Cansa-nos, porque precisamos descer ao seu nível de compreensão.

Descer, rebaixar-se, inclinar-se, ficar curvado.

Estão equivocados.

- Não é isto o que nos cansa, e sim, o fato de termos de elevar-nos até alcançar o nível dos sentimentos das crianças.

Elevar-nos, subir, ficar na ponta dos pés, estender as mãos.

Para não machucá-las".