Há
um tempo vinha buscando a verdade. “Deixe-me ver a verdade em
tudo”. “Mostre-me a verdade e terei retidão”. Buscando a
verdade tomei decisões, trilhei caminhos e fiz escolhas. Buscando a
verdade abandonei hábitos, adquiri crenças, liguei sensores,
desliguei sinais, abri os olhos, fechei a mente. O tempo passou...
Até que cansei. Um dia cansei de buscar a verdade. Cansei de
direcionar preces. Comecei a abandonar hábitos e crenças. Despi-me
do mundo. Ali parei e decidi ficar, não em um movimento de
estagnação, mas não mais, nunca mais, em um
movimento de busca. Agora eu era um estado de alerta, latente, de
receptividade, de aceitação. Eu não precisava mais escolher,
aceitar apenas. Pacientemente um dia eu vi: toda a verdade que eu
busquei estava dentro de mim, no mais íntimo, como o fluxo
silencioso da respiração. Toda a verdade permeava tudo e apenas no
silêncio e na aceitação eu pude encontrá-la parcialmente. Olhar
para dentro foi muito mais penoso que sequer imaginei. Olhei para mim
num movimento de aceitação e recebi sinais nunca antes vistos
porque os buscava fora, porque irradiava toda a minha força para
tudo aquilo que era apenas temporário e momentâneo, vão,
superficial. Tudo o que está fora e que não somos. Toda a verdade
só pode ser percebida no silêncio da mente, pelo observador. A
mente é apenas instrumento de percepção e comunicação com o
mundo, e depois disso nunca mais pude me reduzir ao seu tamanho e
pequenez.
Como
meu corpo, esse instrumento sagrado de manifestação no mundo,
poderia dizer algo tão difícil para mim? E ele continuava dizendo.
No meu processo de busca que acabou inteiro absorvido por um processo
de silêncio e aceitação, meu corpo deveria ser o mais puro que eu
conseguisse mantê-lo. Meu corpo deveria transmitir aquilo que de
dentro de mim irradiava e ao mesmo tempo atrair aquilo que fosse útil
no meu processo e movimento. Mas todos os sinais do meu corpo me
mostravam que eu estava fraca. Havia algo errado que só pude
perceber quando todas as minhas crenças começaram a cair: nem
sempre aquilo que achamos ser o certo, é. Nem sempre aquele que
achamos ser o melhor caminho, se torna. Às vezes, exatamente aquilo
que dizemos que jamais faríamos é exatamente aquilo de que
necessitamos. Só a retirada de muitos véus dos olhos poderia me
fazer olhar de forma real para mim mesma. E meu corpo estava dizendo,
estava pedindo, estava fraco, instável, desconexo. Eu precisava da
carne animal. Era isso o que meu corpo dizia. No meio de uma busca
espiritual profunda onde o momento presente deveria ser meu único
elo de ligação com a existência meu corpo dizia algo sobre a
alimentação que parecia tão errado, tão fora de propósito e que
não quis enxergar por muito tempo.
Hoje
eu estou assim. Como carne. Sinto que necessito para que um avanço
espiritual aconteça por mais paradoxo que possa parecer. A falta da
energia densa da carne me deixou tão vulnerável e instável que
acabou sendo prejudicial. A carne me trouxe de volta ao chão.
Sinto-me firme. Forte. Estável. Tudo em que acreditei foi colocado à
prova. Aquele mundo sem dor, sem sofrimento, utópico e perfeito não
existe aqui. E é sim, um futuro utópico. A dor e o sofrimento
existem e fazem parte desse momento de evolução de todos os seres,
ainda que eu não entenda, não tentarei mais naquilo em que não é
possível alcançar algum tipo de compreensão. Toda essa dor não
parará. A agricultura provoca muito mais morte e dor que a pecuária.
Muitos modelos precisam mudar para que esse sofrimento seja reduzido.
O homem precisa conscientizar-se de que todo animal merece respeito,
seja ele criado para o fim de alimentar ou não. Hoje, no silêncio
da mente, diante de um prato, entendo todas as dores geradas para
aquele alimento estar ali e valorizo muito cada grama daquilo que
como. Todo o processo intenso daquilo que entrará em meu organismo.
A comida serve para nutrir o meu corpo. A quantidade de morte de
pequenos animais que a agricultura causa nunca entrou na pauta do
movimento vegetariano\vegano radical. Ninguém nunca disse que as
vacas que pastam poderiam fazer o trabalho de muitos maquinários em
campo, que gastam horrores de energia e água simplesmente ruminando
e comendo aquilo que foram feitas para comer: capim. Assim, não
precisariam desmatar tantos campos para produzir soja para fabricar
ração. Ninguém nos ensinou a viver em cooperação com a natureza,
de forma integrada com todos os seres e isso quer dizer recolher ovos
das galinhas criadas com respeito, comer a carne de um boi que viveu
respeitado e se doou por inteiro no seu movimento de vida. Ninguém
nos ensinou de forma mais profunda que as maiores riquezas estão nas
simplicidades da vida e que a natureza é aquilo de mais sagrado que
existe nesse mundo porque a natureza nos traz para o momento
presente, onde deveríamos viver todo o tempo. Escutar de forma
consciente os sons da natureza, as folhas ao vento, as gotas de
chuva, o zumbido de um inseto. Além de todos esses sons há uma
grandeza sagrada que o pensamento é incapaz de alcançar,
contemplando uma flor, permitindo que a atenção repouse sobre ela,
a natureza nos ensina a quietude. Tudo na
natureza tem importantes lições a ensinar, basta querer ouvir. O
animal vive entregue à vida, para ele só existe o agora, não há
passado, não há futuro, ele simplesmente é. Devemos aprender com
eles. Isso minimiza a minha dor.
A
parte física do meu ser é fruto de um processo de evolução que já
dura milhões de anos. Meu objetivo aqui neste mundo está longe de
contemplar apenas essa parte, o sentido da vida para mim hoje está
em aceitar, deixar as coisas serem o que são, estar presente,
observando, aprendendo de forma integrada com o todo. Meu corpo,
emoções, mente; apenas veículos de comunicação. Não me
identifico mais com nenhum desses, não sou meu corpo, não sou
minhas emoções, não sou meus pensamentos, assim como não sou a
dor e sofrimento de todos os seres do mundo, mas embora não me
identifique mais com nada disso, compreendo a necessidade de tê-los
e tratá-los com respeito. Hoje num processo enorme de reeducação
alimentar compreendi o quanto uma alimentação equivocada me era
prejudicial, e veja bem, isso não se trata de comer menos carne e
mais frutas e vegetais, sementes e grãos integrais. Isso trata-se de
me voltar a origem do ser humano, que não provém de Adão e Eva com
certeza. Isso me remete à ideia de me alimentar da forma como meus
ancestrais se alimentavam. Os refinados estavam me provocando dores
intensas pelo corpo, a glicose me fazia passar mal diariamente, era
como se toda aquela comida me impedisse de entender algumas coisas
simples, eu estava desconectada, num esforço incrível para me
conectar. Não era a carne que estava me matando. Agora sinto que
estou onde deveria estar e como deveria estar.
Sempre
me orgulhei de dizer que fazia muitas coisas em nome da verdade, e
parar de comer a carne foi também um ato político. É como aquela
frase de Paul McCartney que me atordoou por tantos anos: “Se os
abatedouros fossem de vidro, ninguém comeria carne”. Eu dizia para
mim mesma “eu conheço a verdade sobre a carne, não me deixarei
enganar pela indústria e mídia”. Sim, essa sou eu. Não serei
mais uma na boiada da mídia. Nunca poderia. Mas hoje entendi que o
desvirtuamento da sociedade como um todo - capitalista, imediatista,
midiática - não muda o que essencialmente é. Então entendi que a
verdade que eu buscava não tinha absolutamente nenhuma relação com
a produção desenfreada de ração e gado e com o desmatamento de
milhares de florestas para produção em massa de verduras. O fato de
as granjas maltratarem tantas aves para a produção de ovos não faz
com que os ovos sejam um alimento ruim para mim. Hoje sabe-se que
depois do leite materno o melhor alimento que existe é o ovo. Sempre
comemos ovos, durante toda a nossa evolução. Imagine um mundo onde
todos têm galinhas em seus quintais, as tratam com respeito e
cuidado, recolhem seus ovos diariamente para comer. Isso é um estado
de cooperação onde o homem é só mais um dos agentes de
cooperação, e não o senhorio de todos os outros seres considerados
inferiores. Esse mundo é utópico. Isso não faz do alimento, ruim.
Então existem formas de causar menos impacto. Questionar.
Informar-se. Valorizar pequenos produtores e comprar ovos e carnes
orgânicas confiáveis, sempre que possível. Essa foi a forma que eu
encontrei. A verdade que eu buscava não era essa verdade. É algo
muito mais intenso e profundo que só o silêncio e a quietude
puderam revelar.
Todas
essas transformações ocorridas ao longo desses últimos dez anos me
ensinaram tantas lições e a mais intensa delas é a seguinte:
Sempre olhe para uma pessoa como se você a estivesse vendo pela
primeira vez. Estamos mudando constantemente. O que fomos um minuto
atrás já não somos mais. O que éramos ontem, nunca mais seremos.
E quando fazemos isso, estamos exatamente vivendo o presente. O tão
sagrado agora. Quando olho para você como se nunca tivesse visto
antes, não me importa quem você foi, o que você falou ou fez, só
me importa quem és tu agora. Exatamente agora. Surpreendentemente a
vida parece ficar mais leve e simples quando adotamos essa postura
porque não precisamos mais carregar nenhum peso do passado e nenhum
medo do futuro. Nada mais importa. E porque digo isso: porque percebi
que aquilo que era mais sagrado na vida para mim, deixou de ser em
algum momento de transformação e eu não posso mais ser aquela que
fui por tanto tempo e que jurei que sempre seria.
"Sociedade, espero que não fique chateada se eu discordar".
"Eu te desejo a paz de uma andorinha no voo perfeito contemplando o mar e que a fé movedora de qualquer montanha te renove sempre e te faça sonhar. Eu te desejo chuva na varanda molhando a roseira pra desabrochar e dias de sol pra fazer os seus planos nas coisas mais simples que se imaginar".
"E eu penso nas razões da existência contemplando a natureza nesse mundo onde as vezes aparentes coincidências tem motivos mais profundos. Se as cores se misturam pelos campos é que flores diferentes vivem juntas e a voz do vento nas canções de Deus responde a todas as perguntas".